A Internet que Merecemos: Como os Incentivos Moldaram um Espaço Digital Fragmentado
Cada geração herda um espaço público. O nosso foi a internet.
Nascida do idealismo e sustentada por brilhantismo técnico, a rede prometia democratizar o acesso à informação, achatar hierarquias e conectar os cantos mais distantes do mundo. E de fato conseguiu — de maneira espetacular — cumprir essas promessas. No entanto, poucos hoje definiriam a internet atual como um sucesso. Em vez disso, navegamos por um ambiente digital ansioso, performativo e dividido por algoritmos. O problema não é que a internet esteja quebrada. O problema é que ela funciona exatamente como foi projetada.
A Lógica do Engajamento
No centro da questão está um incentivo simples e persistente: atenção. A maior parte da infraestrutura da internet — redes sociais, mecanismos de busca, até muitos veículos jornalísticos — opera sob modelos de receita baseados em publicidade. Para sobreviver, essas plataformas precisam captar e reter a atenção dos usuários. Para prosperar, precisam maximizá-la.
Esse imperativo moldou cada camada do design da internet moderna. Os algoritmos não otimizam para a verdade, utilidade ou profundidade — e sim para o engajamento. E, com frequência, engajamento vira indignação. Conteúdo que provoca reações emocionais fortes — especialmente raiva e escândalo — se espalha com mais rapidez, retém mais atenção e gera mais interação. A nuance se torna um obstáculo. A certeza, mesmo quando infundada, é recompensada.
Rolagem infinita, vídeos com reprodução automática, notificações por push, abas de “assuntos do momento”: esses não são defeitos, mas sim recursos — pensados para aumentar o tempo de permanência. Até o aparentemente inofensivo botão de “curtir”, antes um gesto de encorajamento, hoje alimenta uma economia gamificada da atenção, onde criadores ajustam seus conteúdos de acordo com o que gera mais retorno, independentemente do valor do conteúdo em si.
O Ciclo de Reforço
Nesse ambiente, os incentivos se amplificam. Criadores aprendem rapidamente que tipos de conteúdo funcionam e adaptam sua produção. A indignação dá lucro. Memes se espalham mais rápido que argumentos. A equiparação de discursos — em que um estudo revisado por pares compete por atenção com uma teoria conspiratória viral — não é um acidente. É pura lógica de mercado.
Enquanto isso, os consumidores — seres humanos, não máquinas — reagem ao que é mais estimulante. Individualmente, não somos culpados. Mas coletivamente, estamos envolvidos. Um usuário que para para ler um texto bem elaborado vale menos, para o sistema, do que alguém que clica, comenta, reage e compartilha.
Com o tempo, as plataformas que melhor maximizam o engajamento ganham vantagem: atraem mais capital, mais usuários e mais criadores de conteúdo. Alternativas menos viciantes ou menos otimizadas perdem espaço — mesmo que promovam um ambiente mais saudável para o debate público.
Isso Não É um Complô
É tentador pensar que o estado atual da internet seja resultado de um colapso moral, ganância corporativa ou manipulação política. Mas a maioria das disfunções pode ser explicada de forma mais simples: o sistema está fazendo o que foi projetado para fazer. E faz isso com eficiência.
Isso não significa que os resultados sejam desejáveis. Muito do que tornava a internet um espaço de descoberta — sua diversidade, seus protocolos abertos, sua navegação livre — foi substituído por plataformas centralizadas que atuam como corretoras de atenção. Não somos mais exploradores. Somos inventário.
Recuperando o Espaço Público Digital
Se o problema é estrutural, a solução também deve ser. Uma internet melhor não surgirá apenas com nostalgia ou protestos. Será preciso redesenhar os incentivos.
Alguns sinais positivos já existem. Modelos por assinatura, como os do Substack ou de criadores independentes, rompem com a lógica da viralização. Plataformas descentralizadas como Mastodon, ou ferramentas voltadas à privacidade como o Signal, oferecem alternativas modestas mas relevantes. Até mesmo o crescente interesse por sites pessoais — blogs, newsletters, domínios próprios — aponta para um desejo renovado de autonomia digital.
Mas nada disso ganhará escala sem intenção. É preciso valorizar o que realmente importa. Isso significa apoiar criadores que resistem à corrida por engajamento, investir tempo em espaços que privilegiam profundidade em vez de velocidade e deixar de confundir popularidade com qualidade.
O Que Incentivamos, Normalizamos
A internet não é boa nem má. Ela é um espelho — refletindo aquilo que construímos dentro dela. E por mais que pareça imutável, ela continua sendo um sistema criado por seres humanos. Incentivos podem ser reformulados. Estruturas podem ser redesenhadas. Mas só se deixarmos de tratar o estado atual como inevitável.
Uma internet otimizada para engajamento inevitavelmente tende à indignação — a menos que mudemos os critérios que usamos para medir valor.
Não recebemos a internet com a qual sonhamos. Recebemos aquela que pagamos — com nossos cliques, nosso tempo e nossos dados. A próxima será moldada da mesma forma.
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