Se o impensável acontecer: Armas nucleares e a guerra na Ucrânia
À medida que a guerra na Ucrânia entra em seu terceiro ano, a retórica ocasional do Kremlin volta a levantar o espectro do uso de armas nucleares. Embora especialistas estejam divididos sobre a real probabilidade de a Rússia romper o tabu nuclear estabelecido em 1945, essa possibilidade — por mais remota que seja — merece consideração. Não por alarmismo, mas por prudência e preparação.
Este artigo descreve o que poderia ocorrer caso uma arma nuclear fosse usada no conflito, com foco especial nas chamadas armas nucleares táticas — dispositivos destinados ao uso no campo de batalha, e não à destruição de cidades inteiras. Também oferece uma análise equilibrada das prováveis consequências militares, políticas e humanitárias, além de conselhos práticos para civis que eventualmente se encontrem nas proximidades de um ataque.
O uso de armas nucleares ainda é uma linha que a maioria dos atores globais evita cruzar. No entanto, pela primeira vez em décadas, a sociedade global se vê obrigada a reaprender os conceitos de dissuasão, escalada e radiação. Conhecimento, mais do que medo, continua sendo o melhor aliado do cidadão.
1. Que tipo de arma nuclear poderia ser usada?
O arsenal nuclear não é homogêneo. Ele varia desde ogivas estratégicas, lançadas por mísseis intercontinentais e capazes de aniquilar cidades inteiras, até armas táticas, menores, voltadas para o uso em teatros de operações militares. Caso a Rússia utilizasse uma arma nuclear na Ucrânia, é consenso entre especialistas que ela provavelmente escolheria uma arma tática.
Armas nucleares táticas
Armas nucleares táticas (ou “não estratégicas”) possuem potência variável, geralmente entre 0,1 e 50 quilotons. Para efeito de comparação:
Bomba de Hiroshima: cerca de 15 kt
Sistemas russos como o Iskander: 5–20 kt
Bomba norte-americana B61: de 0,3 a 50 kt, com potência ajustável
Essas armas são usadas para atingir objetivos militares específicos, como destruir posições fortificadas, interromper ofensivas ou sinalizar uma escalada controlada.
Os sistemas de lançamento incluem:
Mísseis balísticos de curto alcance (como o Iskander-M)
Mísseis de cruzeiro (como o Kalibr)
Artilharia de tubo com ogivas nucleares
Bombas lançadas por aviões táticos
Apesar do termo “tática”, os efeitos dessas armas são tudo, menos limitados.
Armas nucleares estratégicas
Armas estratégicas possuem cargas de centenas de quilotons a megatons e são lançadas por mísseis intercontinentais, submarinos ou bombardeiros estratégicos.
Um ataque estratégico a cidades como Kiev, Varsóvia ou Berlim indicaria o colapso completo da doutrina de dissuasão e, provavelmente, desencadearia uma retaliação maciça. Por isso, tal cenário é amplamente considerado improvável, mesmo em escaladas futuras.
2. O que aconteceria imediatamente?
As consequências físicas e psicológicas de uma única detonação nuclear tática seriam imediatas, devastadoras e com implicações geopolíticas de longo prazo.
Onda de choque e calor
Uma explosão de 10 a 20 kt poderia:
Destruir edifícios em um raio de 500 a 1000 metros
Causar queimaduras de terceiro grau em até 2 km
Gerar ondas de pressão fatais, colapsando pulmões e órgãos internos
Lançar destroços a velocidades supersônicas, ferindo gravemente pessoas expostas
A radiação térmica iniciaria incêndios em larga escala — particularmente perigoso em áreas urbanas densas ou sob vento forte.
Radiação e fallout
A radiação imediata (raios gama e nêutrons) pode ser letal num raio de até 1 km.
O fallout radioativo é o principal perigo para populações mais afastadas. Explosões próximas ao solo vaporizam solo e materiais, lançando poeira radioativa na atmosfera. Dependendo do vento, a contaminação pode:
Atingir áreas agrícolas e fontes de água
Causar síndrome aguda da radiação em dezenas ou centenas de quilômetros
Tornar regiões inteiras inabitáveis por anos
O padrão de dispersão do fallout depende do clima, topografia e tipo de detonação. Mesmo armas “pequenas” podem afetar vastas áreas.
Colapso do sistema médico
O sistema de saúde ucraniano já opera sob pressão intensa. Um ataque nuclear criaria uma onda de vítimas com queimaduras, traumas e envenenamento por radiação. A capacidade hospitalar seria rapidamente superada, exigindo triagens extremas.
3. Como o mundo reagiria?
O uso de uma arma nuclear, ainda que tática, provocaria uma resposta em múltiplas frentes.
Resposta militar (OTAN e aliados)
Embora a doutrina nuclear da OTAN não exclua retaliação nuclear, a reação mais provável seria massiva e convencional:
Ataques cirúrgicos a alvos militares russos
Entrega acelerada de armamentos avançados à Ucrânia
Operações cibernéticas contra redes militares e de comunicação
Alguns especialistas defendem o estabelecimento de zonas de exclusão aérea limitadas ou ataques a bases russas fora da Ucrânia, como forma de sinalizar consequências sem escalar para o nível nuclear.
Os EUA já alertaram que qualquer uso de armas nucleares terá "consequências catastróficas" — uma frase cuidadosamente vaga para manter flexibilidade.
Consequências diplomáticas e econômicas
Mesmo países atualmente neutros, como China, Índia, Turquia e Brasil, seriam forçados a rever suas posições. Apoiar ou ignorar um ataque nuclear tornaria qualquer cooperação política insustentável.
Sanções adicionais seriam imediatas e severas. A Rússia poderia perder o acesso a mercados globais, sistemas de pagamento, espaço aéreo e rotas marítimas. A economia russa ficaria ainda mais isolada.
Erosão das normas globais
Talvez o maior dano seria simbólico: a quebra do tabu nuclear vigente desde 1945. Isso abriria precedentes perigosos para regimes como Coreia do Norte, Irã ou futuros estados armados. O regime de não proliferação nuclear — já sob tensão — entraria em colapso.
4. Orientações práticas para civis
Mesmo que o risco seja baixo, compreender como agir pode reduzir o pânico e salvar vidas.
A. Nos primeiros minutos
Ao ver um clarão ou ouvir uma explosão: procure abrigo imediatamente. Não olhe para o brilho.
Abrigue-se no andar mais baixo ou em um cômodo interno, longe de janelas.
Evite elevadores e fachadas de vidro.
B. Fallout e exposição
Se a explosão for ao nível do solo, o fallout pode começar em 15–30 minutos, especialmente a favor do vento.
Ele pode se parecer com poeira, cinzas ou partículas “nevosas”. Não saia de casa.
Abrigue-se por pelo menos 24 horas, a menos que instruções oficiais indiquem o contrário.
C. Proteção improvisada
Materiais densos como terra, concreto ou livros ajudam a reduzir a radiação.
Crie barreiras com móveis ou pilhas de mantimentos ao redor das paredes.
Use fita adesiva e plástico para selar portas, janelas e frestas.
D. Descontaminação
Retire a roupa externa imediatamente (elimina até 90% da contaminação).
Lave pele e cabelo com sabão e água — não use condicionador, que pode fixar partículas.
Coloque a roupa em sacos plásticos bem vedados e mantenha longe da área de convivência.
E. Comunicação
Mantenha um rádio de pilha ou manivela. As redes de celular podem falhar.
Siga fontes confiáveis — redes sociais podem espalhar desinformação perigosa.
Aja com calma e evite tomar decisões baseadas em boatos.
5. Conclusão ponderada
O uso de uma arma nuclear na Ucrânia continua sendo um cenário improvável — mas não impossível. A liderança russa conhece os riscos. No entanto, o conflito já contrariou inúmeras previsões.
Caso esse limiar seja cruzado, o mundo entrará numa nova era de instabilidade estratégica. Doutrinas de defesa terão de ser revistas, e a preparação civil ganhará nova relevância.
Para o cidadão comum — esteja ele na Europa, na Rússia ou em qualquer outro lugar —, pânico não é estratégia. Conhecimento e serenidade são ferramentas muito mais eficazes.
Preparação não é alarmismo. É prudência. E em um mundo cada vez mais imprevisível, resiliência é a virtude essencial.